segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Pertinho do Céu

Nas últimas semanas, em nossas andanças pela cidade, subimos no alto de um prédio em pleno centro do Recife. No dia 07 de outubro. Passamos horas de uma manhã ensolarada, quente e bela, no alto deste prédio de formato particular: redondo, como a terra. O edifício chama-se Módulo. Um prédio aparentemente novo na arquitetura do Recife, data de 1972.

De cima tudo parece horizonte, ora distante, ora pertinho.
Pra cima tudo é azul, pra baixo tudo é miúdo. As pessoas são formigas em movimento, em busca de alguma coisa, na certa de comida, de trabalho, ou qualquer coisa deste tipo que o verão traz como obrigação.
No meio do círculo vejo o mundo ao meu redor. A paisagem é impressionantemente bela e diferente de como vemos lá de baixo. Recife é uma parcela de mar, de rios distantes, de manguezais, duma geografia urbana edificada no meio da paisagem natural. Casas, casebres, fábricas, pontes, indústrias, longas avenidas, ruas pequenas, árvores, muitas árvores, água "arrudiando tudo", carros, barulho que sobe, muitos prédios distantes de mim, e outros atrás de mim se aproximando cada vez mais, torres, antenas, parabólicas, metal, praças e vozes de crianças no pátio de uma escola que era o que mais me chamava a atenção.

Crianças conversando alto, sentadas numa pequena praça com bancos coloridos, me parecia ser um pátio de uma escola na hora do recreio. Falavam alto, riam, alguns corriam também. E eu ali no topo de um prédio de 16 andares creio, observando seus comportamentos e eles nem percebiam que eram observados. Estavam numa distância aproximada do prédio, mas lá de cima tudo parecia bem distante, como se aquela realidade se apresentasse numa tela de cinema. Parei pra pensar: eu estou aqui em cima vivo e real como eles, mas eles não me vêem, só eu os vejo e os ouço. Uma grande sensação de impotência, como se eu fosse ínvisivel ao mundo. Num momento assenei com a mão, fiquei dando "tchau", pra ver se eles me viam, pensei que seria engraçado eles virem um cara no alto do prédio fazendo sinal pra eles. Seria divertido, seria uma novidade para aquele recreio. rsrsrsrrsrs. Mas nada. Ninguém me viu e depois de um tempo fui pra outra ponta da cobertura.

Guardo duas sensações desta vivência: a de não saber o que fazer ali em cima ( a cobertura do prédio é cheia de antenas, torres de comunicação, ferros, coisas enferrujadas, fios, metais) e a do risco de estar na borda do círculo. Vendo aquele monte de ferro, que ironicamente serve pra estabelecer a comunicação, fiquei bloqueado, não sabia o que fazer, o que procurar fazer. Tudo cinza, enferrujado, estranho, morto, sem vida. O que Luiz faria se entrasse na fábrica? Como ele viveria lá ? O que faria pra sobreviver no meio daquela paisagem morta?

Outras vezes me aproximava muito da borda do círculo pra ver a rua lá embaixo e o risco de cair, o medo de se aproximar mais, causava fortes sensações. Causava um formigamento nos pés, surgiam movimentos involuntários dentro do meu corpo, o peito enchia de ar e o coração acelerava. Parei pra pensar sobre a coragem dos suicidas. Por um momento, querendo aproveitar aquele momento fechei os olhos e me pus a sentir. Não mexia nada, pra não cair, óbvio, mas precisava me colocar nesta experiência. Muito vento no meu corpo, o vento era bom, o barulho forte como barulho de onda quebrando e vento na praia. O corpo tremia, o coração acelerava. Vou voar...

Abri os olhos devagar e a paisagem foi se revelando viva, dei passos pra trás e o coração desacelerou. O som do vento era muito forte. Vento tem som sabia?

O que Luiz faria no alto de um prédio? Ele que é tão horizontal...

Penso que ele criaria outro mundo, invetaria uma estória...

Por Kleber Lourenço.

2 comentários:

  1. A torre é o oposto da praça, como um pênis em relação a uma vagina, o mundo em relação a um útero, a razão em relação à emoção. Como Luiz pode se sentir bem numa torre se foi na praça que ele aprendeu a se alimentar? E a praça é extensão da casa onde ele mora/faz pão, misto de residência e trabalho, de memória e de agora. Na casa tem o quarto de dormir, cheio de ecos da vida de outro tempo, que permanece viva e presente através da ligação de Luiz com esse passado. O passado deixa de ser passado através do olhar e do sentimento de Luiz. A praça é a extensão do indivíduo que começa na casa. A torre parece um instrumento que viabiliza a desconexão dessa relação com o Ser. Não é a torre em si que cinde os homens, mas a vontade-pavor-negação-do-ver que leva os homens a construir tantas torres de onde se vê tudo e não se vê nada.

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  2. De onde se vê tudo e não se vê nada.
    MESMO.

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